Blog do Delemon

ULTIMA HOMINIS FELICITAS EST IN CONTEMPLATIONE VERITATIS

Pilulas de sabedoria



Do Imaginário de massa

A verdade só assim é estabelecida quando representa a realidade – ou em outras palavras – a verdade é a forma da linguagem humana em que se exprime o real. Muitos conceitos do imaginário brasileiro encontram-se tão ferreamente fixos e em sintonia ao redor do país que podem ser coadunados num senso comum tão unívoco que sua quase materialidade o leva a valer como verdade estabelecida. Quando essa verdade se apresenta como uma conclusão que prescinde de suas premissas, então temos uma situação característica do senso comum – e muito perigosa, diga-se por sinal. Só há pouco tempo alcancei abertura intelectual suficiente para notar que o perigoso nesse senso comum brasileiro não é o caráter “comum” desses julgamentos, mas sua crescente uniformidade.

Verdade divinaCC-BY-SA 3.0 Érick Delemon & Martinultima. (Based on Answer to Life)
A verdade se expressa com autoridade divina

Há muito planejo escrever este texto, e as discussões recentes sobre aborto quando da disputa eleitoral para presidente, são um reforço para as observações do fenômeno. Vamos então.

Do caráter laico

Pois bem que lembro-me de quando algum vereador local desejava inscrever na bandeira municipal algum inscrito que citasse Deus. Ao que logo eu disse: “mas é loucura, o Estado deve ser laico!” Hoje vejo o quão infectado pelo duplipensar eu estava; uma confusão dos diabos. Claro que se tratava simplesmente de um caso de ignorância enciclopédica. Tivesse ficado restrito à minha pessoa ou jovens revoltadinhos no país não haveriam tantos problemas… agora, quando essa ignorância patológica causada pelo vírus da doutrinação política de massa alcança os postos do Ministério Público, então estamos todos em perigo. O alegado foi:

Quando o Estado ostenta um símbolo religioso de uma determinada religião em uma repartição pública está discriminado todas as demais ou mesmo quem não tem religião afrontando o que diz a Constituição

Mas olha só se não é o monstro do politicamente correto atacando de novo! Confundir a presença da religião nas instituições políticas com o poder religiosamente outorgado só pode ser fruto duma alma infectado pela novilíngua politicamente correta. Atribuir à laicidade as características de inexistência de símbolos formadores da cultura do país é lhe forçar o aspecto ateístico nessas instituições.

Ora, obviamente o Estado laico foi o primeiro a garantir a tolerância a todos os símbolos e expressões religiosas – jamais a sua inexistência no corpo político. Afinal o corpo político só pode responder por um povo como seu representante se ele minimamente plasmar os símbolos criados por aquela cultura. Do contrário nenhuma monarquia, império ou república teria sequer surgido na história da humanidade, pois elas se alimentaram dos símbolos criados pelos seus povos – somente existiriam os totalitarismos que visam afirmação inicial e criam seus símbolos ad hoc constitutum.

Em suma, desejam mostrar que a religião não pode influenciar as instituições. Mas o laicismo defende que as igrejas (e cultos) se abstenham de meter o bedelho na política. Ou seja, o Estado laico somente deve impedir um embate de forças entre instituições, enquanto que a religião (em sentido amplo) não é uma instituição – mesmo que seja librada em uma. Afinal, impedir a religião influencie nas instituições é uma impossibilidade material! Afinal, se alguém quiser votar num candidato x só por que ele afirmou se mostra como um proeminente defensor da religião y não haverá nada legalmente (moral, etica e politicamente) errado nisso. E se o senhor x apresenta um projeto de lei que pareça correto ante seus eleitores justamente por que deseja colocar/mudar uma prática na sociedade que sua religião entende como danosa ou saudável para o povo, também não há absolutamente NADA DE SE REPROVAR enquanto a vida religiosa é TAMBÉM matéria do campo político. Os senhores eleitos na política nacional são mostra da história e dos anseios da maioria que os escolheu para representá-la; com os símbolos religiosos se dá o mesmo: estão lá como mostra da história e dos anseios de representação dos membros da nação.

O próprio uso da palavra “discriminado” na colocação do procurador mostra em que nível do  subconsciente a novilíngua politicamente correta já penetrou. Não é culpa dele (na verdade  também, mas finjamos que ele está incólume sob a massa de falantes). Sob essa massa tagarelante, muito inteligentes, mas coletivamente imbecis, realizam um movimento de revolução da língua à lá 1984: antes, distinguir e diferenciar eram os sinônimos de discriminação. Hoje – na melhor das hipóteses – são eufemismos; pois sinônimo de discriminar agora é ação ou omissão violadora do direito das pessoas com base em critérios injustificados e injustos tais como: raça, sexo, idade, crença, opção religiosa, nacionalidade, etc…[ocareté] Simples assim!

A inversão vernacular começou na Constituição da República, lá grudou e passou pra linguagem cotidiana – justo quando o Brasil deveria dar o exemplo contrário. Agora toda gente dize que não discrimina os outros. Ahh, pena que na minha cabeça conservadora eu entenda – ainda teimosamente – que toda essa gente quis dizer que não consegue distinguir um ser humano do outro. Errado sou eu que leio denotações em textos não-literários! Que pecado comete esse liberal (no sentido [oh!] do dicionário).

 

Do caráter ateu

Pior é o meu espírito reacionário que não consegue entender o ateísmo como uma não-crença, mas uma crença em coisa outra que não Deus. Analisando friamente, a exigência de esteios científicos da matéria religiosa é uma hipocrisia, visto que a matéria científica é tão ou mais necessitada de uma crença quanto qualquer fé religiosa – afinal a ciência é baseada numa combinação de experimentos indutivos analisados sob perspectivas lógicas. Uma matéria (a Lógica) que não pode ser explicada pela ciência, somente precisa ser aceita, credulamente como o meio mais seguro pra se chegar a uma verdade.

E hoje, tendo estudado um pouquinho de Hume, vê-se precisamente isso pelo seu empirismo radical: Admite que a ciência é o melhor método de conhecer qualquer coisa. Mas essa própria afirmação não pode ser provada pelo método científico! E qualquer coisa que não esteja sob a compreensão da ciência não é portanto objeto possível de qualquer investigação. Que fetiche de método. Ou se é um crente na ciência e (livre-se Deus) na vox populi – no homem – ou se é um crente em Deus.

O ateísmo é afinal uma crença que comunga gente que crê na ciência ou na razão humana; ou gente que – tentando explicar a origem, o tempo e o espaço – apela para auto afirmação: o universo teria surgido sozinho, do nada! Outros, que não querem ir por esse caminho e levar uma cacetada de 5 mil anos de Parmênides, creêm ou supõem tudo quanto é tipo de força criadora e outros deuses surgem em cena. Quando tentam raciocinar ad absurdum para mostrar a impossibilidade de um Deus, já erram no início ao especular sobre um serzão.

Seu erro, obviamente, é tomar Deus pelas medidas de si próprios: os critérios de omnisciência, omnipotência, omnipresença e eternidade são tomados como mero superdimensionamento de suas próprias capacidades demasiado humanas. Faltando ainda do aspecto cristão do Deus-amor, o resultado só poderia ser um deus tão materialista quanto eles próprios: um Dr. Manhattan que poderia nos abandonar por Marte a qualquer instante.

Novamente, retorno a Hume. Quando ele diz que seu método é o melhor, mas não consegue provar isso pelo próprio método, ou se acredita nele, ou você não brinca! Se concorda com essas premissas, você logo entenderá o sistema dele como uma perfeito construto filosófico. Até porque ele mostra que Deus, é, como disse no parágrafo anterior, somente uma ampliação das ideias de presença, poder, bondade, e duração; uma ideia complexa, que pode ser composta em ideias simples, e traçadas às suas correspondentes impressões. Nada mais.

 

Pois bem, voltando ao caso do ministério público: por ainda existir alguém com inteligência e honestidade suficiente na Justiça, os símbolos foram mantidos. Finalizemos! Quando digo: Estado e Civilização laica jamais! Estou justamente falando para aqueles que querem que os atuais candidatos à presidência parem de discutir a questão do aborto: ELES NÃO PODEM PARAR, é a primeira vez desde a chamada (por motivos desconhecidos) de redemocratização em que uma eleição se faz por motivos não ideológicos, por motivos que tocam o dever-ser para a concepção do brasileiro.

É nesse momento que se vê a verdadeira vontade do povo de definir como será o Estado em que viverá! Claro que os presidenciáveis não podem só falar disso. Mas abster-se do assunto é justamente não fazer política e fazer administração pura e simplesmente (ao contrário do que pensam os imbecis coletivo). Administração por administração eu voto em algum empresário com visão bem prática dos problemas e pronto. Mas política, voto naquele com melhor posição no debate de visão do país, de projetos a longo prazo, de mudanças que se realizadas não podem ser revertidas: isso pesa.

De modo que: achar que não se deve discutir o aborto nas eleições é burrice pura. Porque faz parte do cotidiano do brasileiro tanto quanto transporte, educação e saúde. Porque o Estado pode até ser laico, mas o povo não o é, e o dia que for, não haverá civilização! Não haverão símbolos nem cultura a que se referir, reproduzir ou mesmo gerar: só um bando de gente que vive para o hoje e sobrevive apesar dos outros. Qualquer semelhança com o materialismo (vulgar e filosófico) dos dias correntes, não é mera coincidência!

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