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Consciência de "si" no Brasil: delirante? {4 Comentários}

quarta-feira, abril 01, 2009 por em: ,

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Há muito que observo uma certa deturpação que o brasileiro tem de sua própria imagem, incorrendo em absurdos de falsa modéstia ou mesmo incapacidade de enxergar a realidade. Parece haver um constante anacronismo quando o brasileiro tenta se definir, ou mesmo quando se trata do outro. O caso é que somente quando li um artigo é que me veio à consciência a necessidade de escrever sobre um efeito que (julgando por alto) parece acontecer ainda antes que eu viesse a esse mundo. O texto de Tibiriçá Ramaglio é uma crítica - bem ácida, diga-se de passagem - à Marilena Chauí, sobrando para a Revista Cult que realizou uma entrevista com a intelectual em questão.

Vendo a capa da revista nos deparamos com a seguinte frase, retirada dum trecho da entrevista:
"[...] é preciso dar um basta à tentativa de caracterizar o governo e o presidente da República como populistas." Chauí, filósofa e professora de Filosofia Política na USP é conhecida por sua história com o PT e luta pelo esquerdismo. Somente com base nessa frase e a explicação seguinte em que afirma porque o governo não é populista já renderia este post com recheado conteúdo. Mas sobre assistencialismo já existem - acredito - numerosos críticos. O que falo aqui é sobre outro ponto que ela coloca como inexistente no governo atual: a dimensão salvífica e protetora do presidente. Vejamos em detalhe:

o atual presidente da república não pertence à classe dominante, não concede benefícios pontuais e sim assegura a instituição de direitos com os quais se institui uma democracia, consequentemente, a figura do governante não tem a marca da transcendência, necessária à dimensão salvífica e protetora do dirigente não democrático

Meu maior temor ao ler isso é notar justamente que: ao afirmar que o presidente não pertence à classe dominante confirma justamente a "marca da transcendência", haja vista que - salvo engano - desde que entrou para a vida política não pisou mais em chão de fábrica como trabalhador, no máximo como visitante! Diante disso só posso fazer minhas essas palavras bem ditas do autor do artigo:

Lula não pertence à classe dominante? Por quê? Por causa de sua origem de retirante e operário, da qual ele já se afastou há cerca de quatro décadas? Parece que Marilena Chauí considera a condição de retirante/operário como um estado de alma, que unge eternamente quem a possuiu um dia, independente das circunstâncias materiais.

Isso foi o que sempre me intrigou: aos ventos é gritado que um operário chegou ao poder, mas não era este que eu via discursar! Carregava um título ao qual sua condição material já negava há tempos.

Nos séculos anteriores a Cristo, em Roma o Senado era uma classe política formada em sua maioria pela classe de proprietários de terra e assim, dominantes. Ao longo da História de Roma o Senado, como conselheiros dos cônsules e legisladores, foram adquirindo maior importância dentro da sociedade, mais por questão de costume do que algum dizer institucional. Logo, para representar os interesses da plebe dentro do Senado, surgiu um magistrado conhecido como tribuno! E eis que surge, em tempo, a contradição - com o passar dos anos os tribunos ganham o direitos que os tornam mais importantes na cena política romana, inclusive ganhando poder de veto e aos poucos a figura do tribuno da plebe era também adornada de extrema importância social que já avançava tanto quanto a esfera política; dentre os plebeus os tribunos eram tão poderosos quanto um senador o era. O cadafalso dos interesses plebeus se tornava mais abrangente à medida que dava mais poder aos tribunos ungindo-os quase como uma "classe" à parte, logo seus interesses começavam a divergir de seus eleitores, se tornavam mais dóceis aos senadores e assim vai. 

Não é por ser estudante de História que me rogo o direito de dar esse exemplo, mas porque o acho pontual e não foge da esfera da política. Acredito que com o presidente se deu algo parecido: Ele roga um título que exige certas condições materiais e financeiras que estão muito aquém do que ele de fato possui, para mantê-lo o roga na esfera privada: manteve-se num alto posto público como pouco estudado, manteve-se pouco diplomático com as palavras;[1] e o povo lhe reveste de um sentido pessoal que não mais pode manter há anos.

Simples assim: se fez a imagem de que mesmo que tudo indique que o presidente, pelos seus investimentos, gastos e poupanças é tal qual o de alguém que ele chama de classe dominante, e ainda assim ele é visto como um proletário! Delirante?


[Notas]

  • [1] O caso recente em que o presidente se refere aos "brancos de olhos azuis" como culpados da atual crise econômica é um bom exemplo disso.
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    4 Comentários sobre "Consciência de "si" no Brasil: delirante?"

    Francisco em 1 de abril de 2009 às 16:47

    Quando convém, nosso Presidente faz questão de citar suas origens, dizendo absurdos como "gente branca de olhos azuis...", ou alardeando que sua mãe nasceu analfabeta(!). E por aí vai.
    Concordo que o assistencialismo & cia., merecem um post à parte.
    Um abraço.

     

    Lis em 1 de abril de 2009 às 22:13

    Não acrdito em políticos perfeitos,em democracia perfeita, em seres humanos perfeitos...
    Tudo tem seu lado B hehehe
    É como aconteceu nos EUA com a eleição de Barack Obama fizeram um estardalhaço como se ele fosse mudar o mundo e que por ele ser negro iria olhar para o menos favorecidos Humpf!! Tá bom vamos acordar do sonho utópico meu povo!!
    Todos que estiverem no poder vão fazer melhorias e desastres...é o ciclo da vida.Erros e acertos...bjusssss e até mais

     

    cainã em 2 de abril de 2009 às 00:11

    Eu vejo essas mudanças e até a construção da imagem de um presidente com caracteristicas de um proletario do regime militar o que os estudiosos do pai da Ciência politica chama de virtù, ou seja, dispositivos que um individuo usa para alcançar o poder e não vejo como um ABSURDO essa imagem ainda permanecer dentre nós brasileiros.É só repararmos no ex presidente da republica FHC, que se dizia ateu e que foi até o papa beijar sua mão para que ganhasse os eleitores catolicos.Então percebemos que essa construção de imagem é comum na politica. A outra "coisa" seria o conceito de fortuna, mas isso não vem a ser importante nesse discurso. O que eu só estranho é esse espanto que fora criado por causa de uma simples imagem construida pelo nosso presidente para chegar ao poder.

     

    Diego? Glommer? em 6 de abril de 2009 às 01:00

    Governantes sempre são representados sobre uma áurea que é bem distinta daquilo que verdadeiramente são.

    Stalin, Hitler, Vargas, Kubitscheck(não lembro como se escreve isso)... São todos exemplos de presidentes que se beneficiaram de uma construção de uma imagem salvadora criada em torno de seus personagens.

    O pior é que no caso de Lula isso se encaixa perfeitamente aos problemas do povo brasileiro. Além de tudo há de se admitir que ele é um político muito hábil (aprendeu isso com o tempo). Por isso construiu alianças capazes de trazer para junto dele o apoio de diversos grupos bem diferentes da sociedade brasileira.

    Isso se reflete nos grandes índices de aprovação desse senhor.

    Além do que o brasileiro sempre pareceu gostar de um populismozinho.

    Abraços.

    http://solucomental.blogspot.com
    http://ladobdiscotrash.blogspot.com